Não fosse esbarrar com uma caixa da minha mãe, que guardava tudo o que eu escrevia, não teria puxado a conta: há 15 anos passei a escrever sobre gastronomia! O tempo voou e tudo mudou.
Lá estava a minha estreia: meia página contando a viagem à Champagne (nesses tempos a gastronomia não estava com essa borbulha toda), convite da Möet & Chandon, para conhecer vinhedos, percorrer adegas subterrâneas centenárias, visitar a casa de Don Pérignon, palco do “ploft” mais festejado do planeta, e almoçar no castelo da Maison. Tudo espetacular, uma mesa lindamente montada nos tons da bebida e até o nosso anfitrião vestido com um blazer rosa pálido. A Mangueira não faria melhor. Na saída, com minhas bochechas igualmente rosadas, pisei em falso e quebrei o pé. Como brinca o colunista de vinhos e amigo querido Luiz Horta, isso rende um rap: “quebrei o pé em Épernay”.
De lá para cá, acumulo milhas, gratas experiências e algumas histórias, nem todas “hospitalares”, felizmente. À mesa, testemunhei mudanças significativas, uma verdadeira revolução que começou quando a culinária passou a ser chamada de gastronomia. E ganhou páginas nos jornais e espaços nobres na televisão. Na onda, passei a assinar semanalmente a crítica de restaurantes do RioShow, com direito a cotação com os garfinhos que me acompanham até hoje. A primeira delas lembro como se fosse hoje: a pizzaria Raul, na Barra. Cravei com apenas um garfinho, de ruim, acreditam?
Dessa jovem geração que brilha hoje, conheci alguns começando, como Felipe Bronze, ainda estudante em Nova York. Em uma das vindas ao Rio, cozinhou na casa de amigos comuns. Brilhou. Escrevi algo sobre ele e, antenadas, as restaurateurs Marina Hirsch e Ana Carolina Gayoso logo chamaram Bronze para assinar um menu no Sushi Leblon. Pouco depois, ele voltava de vez para chefiar o Zuka. E aqui merece um registro: na inauguração, salão lotado, houve um problema no sistema de exaustão e toda a fuma![Luciana Fróes em degustação de sorvetes]()
ça entrou para a casa. Felipe ia de mesa em mesa oferecendo colírio para a turma.
Claude Troisgros completava 20 anos de chegada aos trópicos e seu divertido relato foi parar na capa do Segundo Caderno. Já Thomas, o filho, não queria nada com cozinha. Sonhava em ser empresário de jogador de futebol. Olha o que íamos perder. Rogério Fasano trouxe o Gero, casa em Ipanema que reproduzia a matriz paulistana. Certa vez, me contou que o seu sonho era abrir um restaurante na praia, mas que o Chico Buarque tinha aconselhado a evitar a orla: “carioca não come de frente para o mar”. Não adiantou: Fasano acabou realizando o seu sonho com o Al Mare, em pleno Arpoador. Conheci Roberta Sudbrack quando ela assinava jantares para Fernando Henrique Cardoso e estava prestes a assumir de vez o comando da cozinha palaciana. Não foi fácil, mas consegui marcar uma conversa com a primeira mulher chef de cozinha do Alvorada.
Alex Atala já despontava, mostrando sua empatia com os novos ares que sopravam da Espanha, capitaneados por Ferran Adrià. Em 2003, participei do jantar assinado por um Atala bem mais ruivo e jovem, no Ritz de Paris, na Place Vendôme. Era o primeiro chef brasileiro a adentrar a cozinha do mestre Escoffier. Na sequência de pratos, incluiu carpaccio de palmito e consommé de crustáceos, capim-santo e tapioca marinada, para o espanto de todos.
Os ingredientes mais requintados começavam a ser mais presentes. Orgânicos engatinhavam, detox era palavra inexistente por aqui, vinhos e harmonização viraram sensação e os extra-virgens deram o ar (e as gotas) de sua graça. Foi a virada para os azeites mais nobres e para do aparecimento do “oleólogo”, o especialista em azeite. Na carona, Ana Cristina Reis e eu organizamos um grupo na casa da avó dela, Dona Sarita, para uma degustação. Ao telefone, nossos convidados estranhavam o convite: “Degustar azeite?”.
De vindimas, perdi a conta, a última delas, no Douro, Portugal, onde fiz a pisa das uvas ao ritmo de música “pimba”, uma versão de forró portuguesa. No Brasil, topei com animação quicar em um fusca, da Serra Gaúcha até Bagé, para ver de perto a primeira colheita de uvas na Campanha, região até então restrita a pecuária (hoje é um sucesso). E fomos nós. Ao chegar, nos deparamos com as videiras vazias: os pássaros tinham comido a colheita. Não se vinificou um litro sequer.
Do Roland Villard guardo o diploma de excelência por ter degustado uma sequência de 20 pratos em uma noite no Le Pré Catelan. No Noma, esperei um ano para desfrutar da cozinha de René Redzepi, em Copenhague, onde fritei ovo na mesa, provei mexilhão de 36 anos e tive que encarar os camarões vivos. Na saída, um presente do chef: uma caixa com um doce de nome impronunciável, que nada mais era do que Nhá Benta.
Já empunhei marreta em Paris na festa da demolição no Royal Monceau. Lado a lado com Philippe Starck, quebramos paredes, dançamos e comemos até o sol raiar. Na mesma cidade, inverno dos piores, às 4h da matina, bati ponto no Rungis, o maior mercado de alimentos do mundo, com 12 mil funcionários, cinco pavilhões gigantescos e 1,5 milhão de produtos expostos. Dessa vez, contei a experiência no ELA GOURMET, que fez sua estreia no dia 3 de setembro de 2013. A primeira capa se chamou “Berries do Brasil”, sobre cereja do mato, amora silvestre, as frutas vermelhas verde-amarelas. Para produzir a foto, comprei na véspera as frutinhas na feira, que seriam fotografadas na casa do Sergio Pagano com a produtora Lou Bittencourt no comando. Às 11h, levaria as frutas para a sessão. Às 8h, saí para minha caminhada na Lagoa e quando voltei fui recebida com um belo suco vermelho, agrado da minha cozinheira. Eram elas, as frutas da capa. Outro momento divertido foi um encontro com Nigella na casa da mesma Lou, com Kátia Barbosa preparando os quitutes. Renata Izaal e eu conversamos com essa inglesa adorável e que estava à vontade: circulou descalça pelo apê e pediu desculpas porque não gostou de farofa.
De festivais gastronômicos, estive em praticamente todos. Lembro especialmente do Ver-o-Peso, em Belém, pela importância de desbravarmos os sabores de lá e também pelo episódio surreal que vivemos, jornalistas e chefs de todo o país. Todos maravilhados pela ainda desconhecida culinária amazônica, incluindo Atala, Danio Braga e Francesco Carli. Na hora do almoço, em um mesão lindo, éramos uma alegria só até entrarem oito pivetes armados e fazerem a limpa.
Estes são relatos sobre os meus últimos 15 anos, em que falei de um tema que me caiu nas mãos de bandeja — e que todos os dias me dá vontade de abrir um bom champanhe: tintim!