![Chef's Table]()
Tem Alex Atala na segunda temporada do Chef´s Table, produção espetacular da Netflix, que teve como principal parceiro a Brasil Production Services (BPS), do brasileiro Thiago Costa, e a carioca Fernanda Malta na equipe. Thiago não só forneceu fotos exclusivas dos bastidores, como conversou com as Gastromaníacas no relato abaixo.
Ah, o episódio é imperdível!
ENCARANDO AS DISTÂNCIAS
Filmamos o episódio em duas levas. Na primeira, passamos uma semana em São Paulo, quando fizemos o D.O.M. Fomos depois para Ubatuba, perto de Paraty e no vale do Paraíba (Pindamonhangaba e Guaratinguetá). Isso foi em novembro de 2015. E em janeiro eu encabecei a produção na Amazônia, que foi mais complexa devido a distância da aldeia indígena onde filmamos. O destino era a tribo Tunuí Cachoeira, no alto do Rio Içana, perto da fronteira do Brasil com a Venezuela e Colômbia. Só se chega ali de barco ou avião fretado saindo de Manaus. A equipe americana foi de Los Angeles para Miami e de lá pra Manaus. Alex e Andrea (assistente de marketing do Alex) vieram de SP para Manaus. Reunimos a equipe toda em Manaus e de lá fomos de avião fretado de nove lugares para São Gabriel Cachoeira, três horas sobrevoando um mar de verde sem fim.
De lá, seguimos para Assunção do Içana, aldeia indígena do povo Baniwa, com mais ou menos 200 famílias. Descemos com o avião ali e não direto em Tunuí, pois a pista em Tunuí se encontrava em mal estado. De Assunção, seguimos de barco para Tunuí por quatro horas. Fomos escoltados por soldados e um tenente do Exército Brasileiro que nos prestaram um enorme serviço de apoio. Ao chegar em Tunuí, eu já tinha alinhado para equipe ficar numa base militar local, do outro lado do rio. Isso foi a chave para suavizar a experiência dos gringos de ficar na selva ou na aldeia. No quartel tinha água encanada e eletricidade até 22h, o que dava para carregar baterias das câmeras e melhor nos preparar para a produção no dia seguinte. O Exército Brasileiro foi um grande parceiro.
CHOVE CHUVA, 'ZIQUIZIRAS' E QUE TAIS
Os maiores perrengues que a equipe passou foram relacionados à chuva, que atrapalhou dias de filmagem em Ubatuba, e o cansaço por estar trabalhando jornadas de trabalho de até 18 horas por dia. Na Amazônia, o calor infernal, uma "ziquizira" estomacal que derrubou uns cinco membros da equipe por 48 horas, e a falta de conforto. O banho era com água fria, quando tinha. A equipe dormia amontoada num quarto só, comendo comida de soldado raso, ao mesmo tempo que fazíamos um show de alta culinária. Mas não nos abateu de coletar belas imagens bons depoimentos de todos os envolvidos.
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LIDANDO COM A FAUNA
Sou documentarista e cineasta profissional há mais de 15 anos. Essa filmagem no "mato" não foi minha primeira. Já fiz muitas outras, para lugares mais hostis inclusive. Uma coisa que muitas pessoas que nunca foram para a região do Amazonas não sabem é a grande diferença no quesito mosquito e insetos entre zonas por onde passam um rio de águas negras e um rio de águas barrentas. Os rios de águas negras têm uma incidência de mosquitos muito pequena devido a maior acidez no leito. Na produção do Chef's que encabecei com Alex e a equipe americana, estivemos o tempo todo à beira de rios de água escura. Portanto, não sofremos tanto com mosquitos. Fora um grilo azul de 40 centímetros que pousou em um dos nossos assistentes de camera durante um take lhe dando um grande susto e um macaquinho sapeca que conhecemos ao visitar uma aldeia indígena, não tivemos grandes encontros com a fauna local.
Agora, no mercado do peixe em Manaus, a equipe americana se deliciou com a explosão de cores, sabores, odores, tamanhos e variedades de peixes que a população local pesca no Rio Amazonas e Rio Negro. Foi uma cena que filmamos que apareceu rápido no filme final, mas que marcou a equipe.
CADÊ O PEIXE?
Um fato curioso foi quando filmamos a tarde inteira uma cena numa ilhota em São Gabriel Cachoeira, que é um lugar lindo por onde o Rio Negro passa. Alex tinha levado uma varinha de pesca que não leva isca, no estilo americano de "fly fishing". Ele tentou por horas fisgar alguma coisa e nada... Nem mordida de peixe algum. Alex se frustrou, a equipe também. Já estava anoitecendo e nada de peixe para o Alex preparar no filme ao pôr do sol como tinhamos planejado. Tive que pensar rápido para salvar a cena. Falei pra equipe que ia dar um pulo na aldeia e já voltava. Chamei um barqueiro e um motorista comigo e fomos da ilha para a aldeia atrás de algum pescador que pudesse nos vender um peixe! Batemos em várias portas fechadas, pois já estava tarde e o comércio de peixe fecha cedo em São Gabriel. O motorista e o barqueiro me diziam que eu não ia conseguir achar o diabo do peixe. Não dei ouvidos. Percorremos os quatro cantos da cidade e finalmente depois de duas horas de procura, tirei um dono de armazém da rede para nos vender um peixe típico da região para a nossa cena. Voei de volta para a ilha com o peixão e fui recebido como herói! Alex limpou o peixe com um lindo céu laranja atrás e garantimos a cena com o peixe.
O PATO
Na verdade eram dois patos que o Alex matou e preparou na cena em questão. Um dos nossos assistentes do grupo de produção comprou os patos de uma outra tribo indígena na região e trouxe para Tunuí, a cachoeira onde filmamos aquela cena. O que me lembro com clareza foi um certo sentimento de culpa e tristeza ao contemplar o curto futuro dos belos patos que apareceram no nosso set de filmagem com patas e asas amarradas. Deu um nó no coração. A equipe estava muito quieta, contemplando e filmando o ato. Esse momento me fez pensar muito no que o Alex Atala diz, que é impossível não matar uma vida para se alimentar. Que a morte e a vida quando se trata de alimentação estão sempre inter-conectados. Foi um momento de aprendizagem e de constatação de uma dura realidade no que diz respeito a nossa condição no planeta e nossa parte na grande cadeia alimentar.
ATALA, UM BOM PARCEIRO
Ele nos pôs em contato com muitos dos entrevistados, nos indicou as locações e tópicos para pesquisa. Agora, em certos momentos, ele teve que deixar correr um pouco, pois ele não tinha o hábito de trabalhar em uma produção com o grau de refinamento e "production value" (como dizem os americanos) que tem o Chef's Table. O tempo que as coisas levavam às vezes era maçante. Mas ele foi um superparceiro durante o processo todo. Cooperou em todos os quesitos, abriu a porta do D.O.M para uma equipe de 15 pessoas, se mostrou aberto a todas as ideias que propusemos, mesmo que às vezes um pouco inusitadas. Ele só não deixou a gente mover a gaiola dos papagaios dele quando os bichos se manifestavam e atrapalhavam a gravação do som! Uma honra ter podido produzir esse projeto.
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